A solidão, o
sofrimento, a angústia, a fúria e a loucura muitas vezes constroem um imenso labirinto
dentro de nós. Um labirinto de autoconhecimento e ao mesmo tempo de autodestruição.
Um emaranhado de redes cognitivas e sentimentais do qual com muita sorte apenas
é possível escapar, no entanto, jamais sem marcas.
O poema a
seguir trata subjetivamente disso: do mergulho profundo que fazemos em nós
mesmos em momentos de isolamento e depressão, do quanto isso pode ser
destrutivo e ainda assim construtivo.
MERGULHO ARDIL
I
Morei
Morei
noites e dias
Invernos
e invernos
Naquele
quarto úmido
Experimentei
horas a fio
A
angústia da solidão
E
o furor sombrio
Daquele
meio túmido
Fui
o mais vivo dos cadáveres
E
naquele inverno ardente
Comi
o pão do inferno,
Bebi
a dor em cálice
Nas
ermas e infindáveis noites
Torturei-me
em devaneio
Rasguei
a carne com açoite
Dilacerei-me
quase por inteiro
Estranha
alma humana
Atormentada
por Ser tão vil
Pela
própria essência sucumbe,
Abraça
um desespero frio.
II
Salvei
Salvei
a mim e a mim
Outonos
e outonos
Naquele
quarto-sepulcro
Enxerguei
a vida na escuridão
E
acendi um tímido pavio
Iluminei
toda abstenção
E
a luz se tornou meu fulcro
Senti-me
o mais vivo dos mortais
E
daquela gélida penumbra
—
já quase uma lápide —
Livrei-me
dos pensamentos abissais
As
ermas e infindáveis noites
Tornaram-se
manhãs nubladas
Ainda
desagradáveis, confesso
Porém,
forçosamente suportáveis
Estranha
alma humana
Que
busca forças no âmago febril
Pela
própria essência renasce,
Derrota
mesmo um Ser hostil.
III
O
pensamento é um mergulho ardil
Um
nado na escuridão de nós
No
covil onde nos encontramos sós
Lá,
onde verdadeiramente habitamos
Onde
nos tornamos ódio e furor
Lá,
o ópio é a dor
Eis
que ainda estamos vivos
Então
respiremos, respiremos,
Ou
em nós nos afogaremos.