segunda-feira, 27 de julho de 2015

Onde verdadeiramente habitamos...




A solidão, o sofrimento, a angústia, a fúria e a loucura muitas vezes constroem um imenso labirinto dentro de nós. Um labirinto de autoconhecimento e ao mesmo tempo de autodestruição. Um emaranhado de redes cognitivas e sentimentais do qual com muita sorte apenas é possível escapar, no entanto, jamais sem marcas.

O poema a seguir trata subjetivamente disso: do mergulho profundo que fazemos em nós mesmos em momentos de isolamento e depressão, do quanto isso pode ser destrutivo e ainda assim construtivo. 


MERGULHO ARDIL
  
I

Morei
Morei noites e dias
Invernos e invernos
Naquele quarto úmido

Experimentei horas a fio
A angústia da solidão
E o furor sombrio
Daquele meio túmido

Fui o mais vivo dos cadáveres
E naquele inverno ardente
Comi o pão do inferno,
Bebi a dor em cálice

Nas ermas e infindáveis noites
Torturei-me em devaneio
Rasguei a carne com açoite
Dilacerei-me quase por inteiro

Estranha alma humana
Atormentada por Ser tão vil
Pela própria essência sucumbe,
Abraça um desespero frio.


II

Salvei
Salvei a mim e a mim
Outonos e outonos
Naquele quarto-sepulcro

Enxerguei a vida na escuridão
E acendi um tímido pavio
Iluminei toda abstenção
E a luz se tornou meu fulcro

Senti-me o mais vivo dos mortais
E daquela gélida penumbra
— já quase uma lápide —
Livrei-me dos pensamentos abissais

As ermas e infindáveis noites
Tornaram-se manhãs nubladas
Ainda desagradáveis, confesso
Porém, forçosamente suportáveis

Estranha alma humana
Que busca forças no âmago febril
Pela própria essência renasce,
Derrota mesmo um Ser hostil.


III

O pensamento é um mergulho ardil
Um nado na escuridão de nós
No covil onde nos encontramos sós

Lá, onde verdadeiramente habitamos
Onde nos tornamos ódio e furor
Lá, o ópio é a dor

Eis que ainda estamos vivos
Então respiremos, respiremos,
Ou em nós nos afogaremos.

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